Programa Escola Cívico-Militar: Em nota, entidades desmistificam critérios de escolha das escolas

Em nota conjunta, APASE, APEOESP e UDEMO desmistificam os critérios de escolha das escolas para o Programa Escola Cívico-Militar. As três entidades da Educação somam, em suas bases, cerca de 200 mil profissionais do Magistério: dos Supervisores de Ensino/Educacionais; dos Professores; e dos Diretores de Escola/Escolares.

Segue a nota redigida a partir de pesquisa realizada pelo GREPPE – Grupo de Estudo e Pesquisas em Políticas Educacionais.

NOTA DE ESCLARECIMENTO AO PÚBLICO

Programa Escola Cívico-Militar

Governo descumpre sua própria Resolução ao não implementar o Programa em escolas com baixo IDESP, ou em comunidades com maior precariedade socioeconômica, ou com altas taxas de reprovação e abandono no EF. Do que se trata, então? De um programa de falsa eficiência e inútil no enfrentamento daquilo que se propõe.

Com base em estudos realizados por pesquisadores do Grupo de Estudo e Pesquisas em Políticas Educacionais (GREPPE) analisa-se a caracterização das escolas, indicadas pela SEDUC-SP, como elegíveis para integrar o Programa Escola Cívico-Militar no Estado de São Paulo[1], em Resolução publicada em 20/06/2024 que regulamenta a implementação do Programa e determina a adesão por parte de diretores em oito dias corridos.

Destaca-se, em primeiro lugar, que o governo paulista insiste em adotar soluções simplistas e comprovadamente ineficazes para problemas complexos e históricos da educação do Estado de São Paulo. Em segundo lugar, desconhece os princípios do direito à educação que rezam a igualdade ao acesso à educação, sem exclusão, pois todas e todos os cidadãos paulistanos – crianças, jovens e adultos independente de origem, raça, credo, gênero – devem, por força da norma constitucional e alinhamento a convenções internacionais, ter direito às mesmas oportunidades de acesso e permanência a escolas em condições equitativas de funcionamento.

A referida Resolução estabeleceu os seguintes critérios para que as escolas possam participar do Programa, quais sejam: apresentar baixo Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo (IDESP); estar localizada em território marcado pela vulnerabilidade social; oferecer diversas modalidades de ensino, em especial o Ensino Fundamental II (6º ao 9º ano); ter no mínimo 400 estudantes; e contar com espaço para realização de atividades no contraturno.

Todavia, constata-se que a relação de escolas elegíveis divulgada pela SEDUC-SP desrespeita sua própria norma, uma vez que o Programa selecionou previamente escolas com melhores condições de funcionamento e com desempenho acima da média – identificados por diferentes indicadores – desvirtuando a justificativa e ponto de partida do governo paulista para este Programa e comprometendo diretamente seu cumprimento legal.

Em 2023, o Estado de São Paulo contabilizou 5750 escolas estaduais ativas e, destas, 35% foram declaradas elegíveis pela SEDUC-SP, ou seja: 2022 unidades escolares.

Se a Resolução priorizou escolas localizadas em territórios com maior vulnerabilidade social, tal afirmativa não se sustenta quando analisada à luz do Indicador de Nível Socioeconômico das escolas, elaborado pelo INEP (2021), o qual as classifica em oito faixas, sendo o Nível I o menor na escala – neste Nível o responsável pela matrícula possui escolaridade até o 5º ano do Ensino Fundamental, reside em moradia com até 2 quartos, 1 banheiro e sem acesso a bens e serviços[2]. Tal cotejamento, expresso na Tabela 1, revela que mais de 9 em cada 10 escolas, elegíveis para ingressar no programa (91,8%) de acordo com a Resolução n° 1, de 20/06/2024, encontram-se nos níveis V e VI. Isso significa dizer que as condições socioeconômicas de seus estudantes estão de meio a um desvio padrão acima da média nacional.

Tabela 1: Distribuição das escolas públicas estaduais paulistas indicadas para o Programa Escola Cívico-Militar, segundo Indicador de Nível Socioeconômico (INSE), 2021

INSE Classificado N %
Nível III 1 0,0%
Nível IV 149 7,4%
Nível V 1335 66,0%
Nível VI 521 25,8%
Nível VII 1 0,0%
Não apresenta o índice 15 0,7%
Total 2022 100,0%

Fonte: Kanno, 2024. Com base nos dados do Inep, 2021.

A mesma relação divulgada pela SEDUC-SP foi comparada ao Índice de Complexidade de Gestão, igualmente elaborado pelo Inep[3], este organizado em 6 níveis, sendo:

– Nível 1 – Escolas que, em geral, possuem porte inferior a 50 matrículas, funcionam em único turno, ofertam uma única etapa de ensino e apresentam a Educação Infantil ou os Anos Iniciais como etapa mais elevada*.

– Nível 2 – Escolas que, em geral, possuem porte entre 50 e 300 matrículas, funcionam em 2 turnos, com oferta de até 2 etapas de ensino e apresentam a Educação Infantil ou os Anos Iniciais como etapa mais elevada*.

– Nível 3 – Escolas que, em geral, possuem porte entre 50 e 500 matrículas, funcionam em 2 turnos, com oferta de 2 ou 3 etapas de ensino e apresentam os Anos Finais como etapa mais elevada*.

– Nível 4 – Escolas que, em geral, possuem porte entre 150 e 1000 matrículas, funcionam em 2 ou 3 turnos, com oferta de 2 ou 3 etapas de ensino e apresentam o Ensino Médio, a Educação Profissional ou a EJA como etapa mais elevada*.

– Nível 5 – Escolas que, em geral, possuem porte entre 150 e 1000 matrículas, funcionam em 3 turnos, com oferta de 2 ou 3 etapas de ensino e apresentam a EJA como etapa mais elevada*.

– Nível 6 – Escolas que, em geral, possuem porte superior a 500 matrículas, funcionam em 3 turnos, com oferta de 4 ou mais etapas de ensino e apresentam a EJA como etapa mais elevada*.

 *Considerou-se como a etapa mais elevada ofertada pela escola aquela que atenderia, teoricamente, alunos com idade mais elevada.

Constata-se, mais uma vez, a ocorrência de equívocos na seleção. Em primeiro lugar, a presença de 36% de escolas no nível 2 fere, novamente, a Resolução, uma vez que a oferta mais elevada é o Ensino Fundamental I, anos iniciais (1º aos 5º anos). A forte concentração no nível 4, (48,6%), por conseguinte, não se define como prioritariamente destinadas ao Ensino Fundamental II, anos finais, conforme Tabela 2.

Tabela 2 – Distribuição das escolas públicas estaduais paulistas “elegíveis” para o Programa Escola Cívico-Militar, segundo Índice de Complexidade de Gestão, 2023

Indicador de complexidade de Gestão N %
Nível 1 21 1,0%
Nível 2 728 36,0%
Nível 3 272 13,5%
Nível 4 983 48,6%
Nível 5 11 0,5%
Nível 6 5 0,2%
Não apresenta o índice 2 0,1%
TOTAL 2022 100,0%

Fonte: KANNO, 2024 com base nos dados do Inep (2023)

Ao empregar um índice formulado pelo próprio governo paulista, o IDESP (Índice de Desenvolvimento da Educação no Estado de São Paulo), a mesma lógica se repete e confirma a intencionalidade em tornar elegíveis escolas que já se encontram em melhor situação e, assim, divulgar possíveis dados mais alvissareiros, a exemplo do praticado nas escolas de tempo integral em seu início de implantação.[4]

Tabela 3 – Distribuição das escolas públicas estaduais paulistas e “elegíveis” para o Programa Escola Cívico-Militar segundo classificação do IDESP 2022 (valores em percentuais apresentados em quartis)

IDESP Anos Finais IDESP Ensino Médio
Escolas elegíveis Todas as escolas da rede paulista Escolas elegíveis Todas as escolas da rede paulista
Mínimo 1,25 1,25 0 0
1º Quartil 2,86 2,71 1,8 1,55
2º Quartil 3,34 3,13 2,28 1,96
3º Quartil 3,85 3,65 2,86 2,5
Máximo 5,77 6,46 4,82 5,46

Fonte: Kanno, 2024. Com base nos dados do Idesp (2022) (https://dados.educacao.sp.gov.br/dataset/%C3%ADndice-de-desenvolvimento-da-educa%C3%A7%C3%A3o-do-estado-de-s%C3%A3o-paulo-idesp-por-escola)

A comparação permite observar que as escolas elegíveis para o Programa Escola Cívico-Militar possuem, na realidade, maiores valores de Idesp para o ano de 2022 (último ano que contempla tanto Ensino Fundamental anos finais quanto Ensino Médio divulgados). Apreende-se, por exemplo, que 75% das escolas selecionadas têm Idesp até 3,85 para o Ensino Fundamental, sendo que 75% das escolas paulistas, em geral, possuem Idesp para mesma etapa de até 3,65, conforme comparação realizada para o terceiro quartil.

O mesmo ocorre para a taxa de reprovação, pois as escolas elegíveis a participar do Programa Escola Cívico-Militar possuem taxas de reprovação inferiores às usuais das escolas paulistas, tendo como enfoque o Ensino Fundamental, ainda que registrem taxas de reprovação superiores no segmento do Ensino Médio, o qual não é foco privilegiado da Resolução (Tabela 4).

Tabela 4 – Distribuição das escolas públicas estaduais paulistas e “elegíveis” para o Programa Escola Cívico-Militar, segundo as taxas de reprovação 2022 (% apresentados em quartis)

Taxa de Reprovação Anos Finais Taxa de Reprovação Ensino Médio
  Escolas elegíveis Todas as escolas da rede Escolas elegíveis Todas as escolas da rede
Mínimo 0 0 0 0
1º Quartil 0 0 0 0
2º Quartil 0,5 0,6 1,5 1,4
3º Quartil 1,9 2,2 4,7 4,5
Máximo 21,9 57,1 36,5 100

Fonte: Kanno, 2024. Com base nos indicadores educacionais do Inep (2022)

Por fim, indica-se a taxa de abandono cujas escolas elegíveis e constantes da etapa escolar privilegiada pela Resolução, apresentam metade do percentual geral da rede estadual, ou seja: 12,9 contra 25.

Distribuição das escolas públicas estaduais paulistas e “elegíveis” para o Programa Escola Cívico-Militar segundo as taxas de reprovação 2022 (valores em percentuais apresentados em quartis)

Taxa de Abandono EF Anos Finais Taxa de Abandono Ensino Médio
  Escolas elegíveis Todas as escolas da rede Escolas elegíveis Todas as escolas da rede
Mínimo 0 0 0 0
1º Quartil 0 0 0 0
2º Quartil 0,3 0 1,4 0
3º Quartil 1,2 0,6 4,4 2,7
Máximo 12,9 25 33,9 33,9

Fonte: Kanno, 2024. Com base nos indicadores educacionais do Inep (2022)

Em síntese, os dados relativos ao nível socioeconômico, complexidade de gestão, resultados em avaliações externas promovidas pela SEDUC e taxas de reprovação indicam que as justificativas constantes na legislação que regulamenta o Programa Escola Cívico-Militar no Estado de São Paulo não se sustentam:

– 91,8%) encontram-se nos níveis socioeconômico V e VI;

– as escolas elegíveis encontram-se, em grande parte, fora do que prevê a norma, atendendo a Ensino Fundamental I (36%) e Ensino Médio (48,6%);

– 75% das escolas selecionadas tinham, em 2022, Idesp superior à rede estadual;

– as taxas de reprovação e abandono no Ensino Fundamental, suposto foco do programa, são inferiores nas escolas elegíveis do que na rede estadual.

A Resolução publicada em 20/06/2024 é descumprida pelo próprio governo que a institui. Não se trata, portanto, de implementar o Programa em escolas com baixo IDESP, com atendimento preferencial ao Ensino Fundamental II, em comunidades supostamente em maior precariedade socioeconômica. Também não se trata de enfrentar o abandono escolar e a reprovação. Do que se trata então?

Reiterando-se a evidente inutilidade do programa no enfrentamento das dificuldades anunciadas como objetivo último a justificar a introdução da polícia militar na escola pública, compreende-se que se trata de disseminar uma prática retrógrada de disciplinamento e punição como forma de controle de corpos e mentes de nossos jovens.

Trata-se ainda de disseminar, mais adiante, talvez em período eleitoral, a falsa ideia de que tal programa é eficiente, considerando-se o IDESP das escolas que já não é inferior à média paulista, mas que poderá ser anunciado como resultado do disciplinamento imposto às comunidades. Anunciam-se problemas importantes a serem enfrentados pela gestão pública no campo educacional, com soluções ineficientes e sob regulamentação falsa ao invés de mobilizar a sociedade para discutir medidas que realmente incidam sobre a reprovação, o abandono escolar e possibilitem melhorar as chances escolares dos mais vulneráveis.

O Programa Escola Cívico-Militar presta assim um desserviço à população do Estado de São Paulo e à Democracia, negando os critérios básicos de uma política que, de fato, institua o Direito Humano à Educação.

Referências

Kanno, D. et, al. Levantamento e análise de dados educacionais paulistas. Texto para discussão. Campinas, 2024. mimeo, 24p.

Assinam esta matéria três das principais entidades da educação que, em suas bases, somam cerca de 200 mil profissionais do Magistério:

APEOESP – Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo

APASE – Sindicato dos Supervisores de Ensino do Magistério Oficial do Estado de São Paulo

UDEMO – Sindicato de Especialistas de Educação do Magistério Oficial do Estado de São Paulo

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[1] RESOLUÇÃO CONJUNTA SEDUC/SSP – N° 1 , de 20-06-2024. Disponível em < https://deguaratingueta.educacao.sp.gov.br/resolucao-conjunta-seduc-ssp-n-1-de-20-06-2024-regulamenta-a-implementacao-do-programa-escola-civico-militar-no-estado-de-sao-paulo-no-ambito-da-secretaria-da-educacao-e-da-secretaria-da/> Acesso em 30.jun.2024.

[2] Sobre as especificidades das faixas contidas no Inse, consultar: https://www.gov.br/inep/pt-br/acesso-a-informacao/dados-abertos/indicadores-educacionais/nivel-socioeconomico

[3] Sobre isso consultar: https://www.gov.br/inep/pt-br/acesso-a-informacao/dados-abertos/indicadores-educacionais/complexidade-de-gestao-da-escola

[4] Sobre isso consultar, por exemplo: https://www.scielo.br/j/rbedu/a/gqYH5RfVNbvyzGStRB7f6FG/?lang=pt

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